A Rádio Vanguarda de Feira

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sexta-feira, 22 de julho de 2016

ROMARIA À CASA DE VINICIUS EM ITAPUÃ

A casa de Vinicius e Gesse, em Itapuã, ainda está lá. Foto arquivo pessoal de Gessy Gesse.

Anos 70 Bahia – Episódio 26



Para desagrado e ciumeira no circuito boêmio-cultural do Rio e São Paulo, Vinicius de Moraes mudou-se para a Bahia no início dos anos 70, “importado” pela atriz Gessy Gesse. Aqui chegando, além dos encantos da sua musa baiana, o poeta deixou-se seduzir pelo carisma e diversidade da boa terra e desfrutou da beleza e magnetismo de Itapuã, onde construiu sua casa. Nos mais de cinco anos em que lá morou, desequilibrou de vez, em favor da Bahia, a balança da artistagem no país!
Ora, direis, o cenário baiano já transbordava de estrelas. De fato, o poetinha aqui encontrou – e logo se enturmou – com gente do naipe de Jorge Amado, Dorival Caymmi, Gláuber Rocha, Carlos Bastos, Carybé, Mário Cravo, Calasans Neto, João Ubaldo, além do time que frequentava a praia tropicalista: Caetano, Gil, Gal, Tom Zé, Bethânia, Novos Baianos e, ainda, baianos outros que aportaram no centro-sul, como João Gilberto, e voltavam sempre que podiam. E o que dizer do panteão formado por Mãe Menininha, Olga de Alaketu, Camafeu de Oxossi, Batatinha, Riachão e tantas mais afrobaianidades? Como poderia o poeta resistir?
E a romaria à casa de Vinicius não cessava: além dos inumeráveis amigos “nativos” – intelectuais, músicos, escritores, colunáveis da cidade –, aqui aportava gente como Toquinho, Baden Powell, Chico Buarque, Mercedes Soza, Sérgio Endrigo, Danuza Leão, Ellis Regina, Leila Diniz, Pablo Neruda, Astor Piazzola. E havia, para completar, levas de turistas, incansáveis e curiosos, que, por meios diversos, davam um jeito de encontrar a casa do poeta...
Vinicius venerava a Bahia mística, africana e matriarcal sintetizadas em Mãe Menininha, que nutria pelo poeta um carinho especial. Foto: arquivo pessoal de Gessy Gesse.
GESSY GESSE – A coisa chegou, assim, àquele ponto em que Vinicius se bandeava para a casa de Elsimar Coutinho, em frente, e lá ficava sentado na varanda, degustando o seu uisquinho, e se divertia assistindo o movimento no nosso portão, os ônibus de turismo que paravam, carros, gente de todo tipo e de todo lugar. Chamavam, gritavam, batiam no portão, cantavam as músicas do poeta. Dolores atendia e dizia “estão viajando, não estão em casa” e tal. A imponência e autoridade dela convencia os turistas e Vinicius chegava a crises de riso, nesses momentos. Foi assim desde que a casa foi inaugurada, nunca tivemos sossego. (“Minha vida com o poeta” – pg. 112).
LULA AFONSO – Segundo Gesse, Vinicius estava cansado de urbanidades e logo entrou em perfeita sintonia com os encantos naturais de Itapuã e as singularidades da cultura baiana. Trocou os trajes que usava em Ipanema e no Leblon por ‘um velho calção de banho’ e viveu aqui um dos períodos mais produtivos da sua trajetória artística. No relato dos sete anos de convivência, ela evoca, em escala minimalista, os tempos marcados pelas celebridades que frequentavam a casa. Tempos em que a mística da cultura baiana foi guindada ao foco da mídia nacional, imortalizando Itapuã como território livre e nicho cultural, com seu charme e beleza decantados em prosa, verso e musicalidade.

Vinicius, Gesse, Dorival e Stella Maris na casa de Itapuã. Foto: arquivo pessoal de Gessy Gesse
WALTER QUEIROZ – No Principado Livre de Itapuã, como ele chamava, moravam (ou frequentavam) verdadeiros monstros sagrados da cultura brasileira (...) Não é Vinicius quem funda a Bahia como um núcleo de cultura no Brasil, mas ele amarra com chave especial, ele traz uma grife para aquele lugar e momento, porque, simpático como ele era, um homem aberto e universal, e vindo de fora, é como se ungisse e consagrasse, demarcasse a Bahia como terreno cultural de importância para o Brasil e para o mundo”. (Entrevista no livro “Minha vida com o poeta”, pg. 225).
LULA AFONSO - Esse deslocamento de eixo consolida a Bahia como “o lugar” no país, nos anos 70. Com sua cultura de raiz pulsante, original e forte o suficiente para polarizar com a cultura “branca” e intelectual do Rio e São Paulo, bem mais poderosa economicamente.
ANOS 70 BAHIA – O relato de Gessy Gesse sobre a real motivação e a feitura do hino “Tarde em Itapuã” traduz, com crueza e alguma ironia, uma faceta curiosa da inserção do poeta na paisagem baiana. Muita gente pode não apreciar, mas foi assim que aconteceu:
No polêmico (para a mídia nacional) "casamento cigano", Vinicius e Gesse celebram a união com a mistura dos sangues. Foto: arquivo pessoal de Gessy Gesse
GESSY GESSE – O poeta compôs a letra sentado na grama, no loteamento dos amigos Édio e Sônia Gantois (hoje Jardim Patamares), presenteando-a ao casal, como tema para o empreendimento, que então se iniciava. Mas não foi utilizada para esse fim, e Vinicius resolveu guardá-la para Caymmi, com quem era difícil, na época, contato no Rio. O tempo foi passando. (...) Toquinho estava fascinado pela letra e acabou me convencendo a lhe dar. Peguei escondido do poeta, pois a minha intuição dizia que eu estava fazendo a coisa certa. E não deu outra: Toquinho musicou e, uns dias depois, começou a tocar a melodia para Vinicius. Ele ficou ouvindo, ficou ouvindo, a música foi tocada umas dez vezes. O poeta falou, então: “Bonito!” E aí Toquinho atacou com “...um velho calção de banho...” Foi assim que a música foi feita. Podem comparar com a letra que ele mandou de Buenos Aires. (Trechos do livro “Minha vida com o poeta”, pgs. 143 e 216).
Zui Muniz Ferreira – Tive a oportunidade de conhecer Vinicius até hoje sou amiga de Gessy Gesse. Que figura era Vinicius!!!

Gesse e Nilda Spencer na casa de Itapuã. Foto: arquivo pessoal de Gessy Gesse
Antonio Jorge Moura – Ainda foca (jornalista iniciante) do Jornal da Bahia, tive distinção de ser escolhido numa manhã de sábado pelo meu chefe de reportagem, Frederico Simões, hoje nome de rua paralela à Tancredo Neves, em Salvador, para fazer matéria sobre a inauguração da casa de Vinicius de Morais, em Itapuã. Cheguei por volta das 9hs e Gessy Gesse me recebeu. Morenaça! Me levou até a sala, pediu para sentar-me e entrou na área íntima da casa. Minutos depois aprece o Poetinha chacoalhando um copo de uisque, me oferece (recuso por timidez) e senta-se para a entrevista. Mostra o folheto com o poema “A Casa”, uma declaração de amor a Gessy e fala sobre a obra de amor que realizou para sua amada. O texto que fiz está nos anais do Jornal da Bahia.

Estrêla Lyra – Muito bom fazer parte de tanta história.... trabalho no Mar Brasil Hotel e a casa que foi do nosso poeta faz parte do nosso hotel e é onde funciona o nosso restaurante Casa di Vina. O lugar está belíssimo!!!

O convite para a inauguração da casa de Vinicius e Gesse, em 1976, foi desenhado por Carlos Bastos

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