Anos 70 Bahia – Episódio
26
Para desagrado e ciumeira
no circuito boêmio-cultural do Rio e São Paulo, Vinicius de Moraes mudou-se
para a Bahia no início dos anos 70, “importado” pela atriz Gessy Gesse. Aqui
chegando, além dos encantos da sua musa baiana, o poeta deixou-se seduzir pelo
carisma e diversidade da boa terra e desfrutou da beleza e magnetismo de
Itapuã, onde construiu sua casa. Nos mais de cinco anos em que lá morou,
desequilibrou de vez, em favor da Bahia, a balança da artistagem no país!
Ora,
direis, o cenário baiano já transbordava de estrelas. De fato, o poetinha aqui
encontrou – e logo se enturmou – com gente do naipe de Jorge Amado, Dorival
Caymmi, Gláuber Rocha, Carlos Bastos, Carybé, Mário Cravo, Calasans Neto, João
Ubaldo, além do time que frequentava a praia tropicalista: Caetano, Gil, Gal,
Tom Zé, Bethânia, Novos Baianos e, ainda, baianos outros que aportaram no
centro-sul, como João Gilberto, e voltavam sempre que podiam. E o que dizer do
panteão formado por Mãe Menininha, Olga de Alaketu, Camafeu de Oxossi,
Batatinha, Riachão e tantas mais afrobaianidades? Como poderia o poeta
resistir?
E
a romaria à casa de Vinicius não cessava: além dos inumeráveis amigos “nativos”
– intelectuais, músicos, escritores, colunáveis da cidade –, aqui aportava
gente como Toquinho, Baden Powell, Chico Buarque, Mercedes Soza, Sérgio
Endrigo, Danuza Leão, Ellis Regina, Leila Diniz, Pablo Neruda, Astor Piazzola.
E havia, para completar, levas de turistas, incansáveis e curiosos, que, por
meios diversos, davam um jeito de encontrar a casa do poeta...
Vinicius venerava a Bahia mística, africana e matriarcal sintetizadas em Mãe Menininha, que nutria pelo poeta um carinho especial. Foto: arquivo pessoal de Gessy Gesse. |
GESSY GESSE – A coisa
chegou, assim, àquele ponto em que Vinicius se bandeava para a casa de Elsimar
Coutinho, em frente, e lá ficava sentado na varanda, degustando o seu
uisquinho, e se divertia assistindo o movimento no nosso portão, os ônibus de
turismo que paravam, carros, gente de todo tipo e de todo lugar. Chamavam,
gritavam, batiam no portão, cantavam as músicas do poeta. Dolores atendia e
dizia “estão viajando, não estão em casa” e tal. A imponência e autoridade dela
convencia os turistas e Vinicius chegava a crises de riso, nesses momentos. Foi
assim desde que a casa foi inaugurada, nunca tivemos sossego. (“Minha vida com
o poeta” – pg. 112).
LULA AFONSO – Segundo
Gesse, Vinicius estava cansado de urbanidades e logo entrou em perfeita
sintonia com os encantos naturais de Itapuã e as singularidades da cultura
baiana. Trocou os trajes que usava em Ipanema e no Leblon por ‘um velho calção
de banho’ e viveu aqui um dos períodos mais produtivos da sua trajetória
artística. No relato dos sete anos de convivência, ela evoca, em escala
minimalista, os tempos marcados pelas celebridades que frequentavam a casa.
Tempos em que a mística da cultura baiana foi guindada ao foco da mídia
nacional, imortalizando Itapuã como território livre e nicho cultural, com seu
charme e beleza decantados em prosa, verso e musicalidade.
Vinicius, Gesse, Dorival e Stella Maris na casa de Itapuã. Foto: arquivo pessoal de Gessy Gesse |
WALTER QUEIROZ – No
Principado Livre de Itapuã, como ele chamava, moravam (ou frequentavam)
verdadeiros monstros sagrados da cultura brasileira (...) Não é Vinicius quem
funda a Bahia como um núcleo de cultura no Brasil, mas ele amarra com chave
especial, ele traz uma grife para aquele lugar e momento, porque, simpático como
ele era, um homem aberto e universal, e vindo de fora, é como se ungisse e
consagrasse, demarcasse a Bahia como terreno cultural de importância para o
Brasil e para o mundo”. (Entrevista no livro “Minha vida com o poeta”, pg.
225).
LULA AFONSO - Esse deslocamento
de eixo consolida a Bahia como “o lugar” no país, nos anos 70. Com sua cultura
de raiz pulsante, original e forte o suficiente para polarizar com a cultura
“branca” e intelectual do Rio e São Paulo, bem mais poderosa economicamente.
ANOS 70 BAHIA – O relato
de Gessy Gesse sobre a real motivação e a feitura do hino “Tarde em Itapuã”
traduz, com crueza e alguma ironia, uma faceta curiosa da inserção do poeta na
paisagem baiana. Muita gente pode não apreciar, mas foi assim que aconteceu:
No
polêmico (para a mídia nacional) "casamento cigano", Vinicius e Gesse
celebram a união com a mistura dos sangues. Foto: arquivo pessoal de
Gessy Gesse |
GESSY GESSE – O poeta
compôs a letra sentado na grama, no loteamento dos amigos Édio e Sônia Gantois
(hoje Jardim Patamares), presenteando-a ao casal, como tema para o
empreendimento, que então se iniciava. Mas não foi utilizada para esse fim, e
Vinicius resolveu guardá-la para Caymmi, com quem era difícil, na época,
contato no Rio. O tempo foi passando. (...) Toquinho estava fascinado pela
letra e acabou me convencendo a lhe dar. Peguei escondido do poeta, pois a
minha intuição dizia que eu estava fazendo a coisa certa. E não deu outra:
Toquinho musicou e, uns dias depois, começou a tocar a melodia para Vinicius.
Ele ficou ouvindo, ficou ouvindo, a música foi tocada umas dez vezes. O poeta
falou, então: “Bonito!” E aí Toquinho atacou com “...um velho calção de banho...”
Foi assim que a música foi feita. Podem comparar com a letra que ele mandou de
Buenos Aires. (Trechos do livro “Minha vida com o poeta”, pgs. 143 e 216).
Zui Muniz
Ferreira – Tive a oportunidade de conhecer Vinicius até hoje sou
amiga de Gessy Gesse. Que figura era Vinicius!!!
Gesse e Nilda Spencer na casa de Itapuã. Foto: arquivo pessoal de Gessy Gesse |
Antonio Jorge
Moura –
Ainda foca (jornalista iniciante) do Jornal da Bahia, tive distinção de ser
escolhido numa manhã de sábado pelo meu chefe de reportagem, Frederico Simões,
hoje nome de rua paralela à Tancredo Neves, em Salvador, para fazer matéria
sobre a inauguração da casa de Vinicius de Morais, em Itapuã. Cheguei por
volta das 9hs e Gessy Gesse me recebeu. Morenaça! Me levou até a sala, pediu
para sentar-me e entrou na área íntima da casa. Minutos depois aprece o Poetinha
chacoalhando um copo de uisque, me oferece (recuso por timidez) e senta-se para
a entrevista. Mostra o folheto com o poema “A Casa”, uma declaração de amor a
Gessy e fala sobre a obra de amor que realizou para sua amada. O texto que fiz
está nos anais do Jornal da Bahia.
Estrêla Lyra – Muito bom fazer
parte de tanta história.... trabalho no Mar Brasil Hotel e
a casa que foi do nosso poeta faz parte do nosso hotel e é onde funciona o
nosso restaurante Casa di Vina.
O lugar está belíssimo!!!
O convite para a inauguração da casa de Vinicius e Gesse, em 1976, foi desenhado por Carlos Bastos |
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