A Rádio Vanguarda de Feira
segunda-feira, 9 de junho de 2014
Riachão, é da Gente!
Clementino Rodrigues, seu nome de batismo. "Riachão", seu nome nome de samba e de guerra. Maior sambista vivo desta terra baiana e um dos maiores vivos do Brasil, ao lado de Nelson Sargento, Ivone Lara e mais alguns outros da velha guarda, o tempo já o consagrou parte da história da música nordestina, em sua essência negra da Bahia. Pela sua verve pitoresca na forma de compor, retratando fatos e ocorridos nas ruas de sua cidade natal, se consagrou como conista musical da antiga Salvador.
Nasceu na Língua de Vaca, no bairro do Gracia, em Salvador, a 14 de novembro de 1921 e até hoje mora no mesmo bairro. De lá sai a troça carnavalesca "Mudança do Garcia", a agremiação carnavalesca mais sarcástica da cidade com letras de conteúdo social e político. Cunharam até um termo para definir a bajulação dos tropicalistas ao governo do estado: "tropicarlismo". Neste ambiente, de rodas de samba e capoeira foi criado o autor de pérolas como a "Ousado é Mosquito".
O apelido de "Riachão", ele disse ao extinto Jornal Diário de Notícias que o ganhou na infância. "Quando menino eu gostava muito de brincar . Mal acabava uma peleja, já estava eu disputando outra. E aí chegava os mais velhos para desapartar epregando aquelo velho ditado popular: - Você é algum riachão que não se possa atravessar?", disse. Hoje, casado com Maria Eulália, há 44 anos, tem 10 filhos vive uma vida tranquila. No momento, aguarda o lançamento do novo álbum que vai ser gravado a partir de janeiro do próximo ano, numa iniciativa do produtor Paquito.
Sambista atrevido desde a juventude
Nascido e criado no Garcia, Riachão desde os 9 anos já cantava nas serentas, nos aniversários ou nas batucadas com os amigos do bairro. Batucava em latas de água onde tamborilava seus sambas. A primeira composição veio aos 12 anos, um samba sem título que dizia: "Eu sei que sou moleque, eu sei, conheço o meu proceder/ Deixe o dia raiar que a minha turma, ela é boa para batucar".
Em 44, consegue entrar para a Rádio Sociedade onde cantou como trio vocal no programa de auditório da emissora de rádio Sociedade AM, "Show Pindorama", um programa do radialista Motta Neto. Ele e seu trio interpretavam até algumas musicas sertanejas, como Valsa Sertaneja, Canta Passarinho e Beijo Molhado. Depois, o radialista que descobriu o sambista Batatinha, Antônio Maria, o lança com a música Vida da Semana. Começa a ganhar razoavelmente para os padrões da época.
A princípio, Riachão cantava em trio, depois passa a cantar em dupla e, finalmente, canta sozinho. Aí decide de vez só se dedicar ao samba sob inspiração de Dorival Caymmi. Após Caymmi, foi o primeiro compositor baiano a gravar no Rio de Janeiro ainda na década de 50. As músicas foram Meu patrão, Saia e Judas Traidor, gravadas por Jackson do Pandeiro. Riachão vivia num ambiente muito rico culturalmente em Salvador, convivendo com sambistas como Zé Pretinho e Batatinha.
Riachão segue o caminho artístico do sambista irreverente, compondo sambas como Retrato da Bahia, Bochechuda e Papuda, ganhando o "Troféu Gonzaga" com essas músicas. Mais tarde, o cantor Eraldo Oliveira gravou A nega que não quer nada e a cantora Maria Inês interpretou Terra Santa. Outras músicas de Riachão foram gravados por outros nomes do samba e da música popular brasileira , como Vamos pular, gente e Vá mamar em outro lugar.
O "Umbigão da Baleia"
Irreverente, Riachão possue uma maneira peculiar de apresentar as notícias através do samba, pois todo fato relevante da cidade. Riachão transformou em crônicas ao ritmo do genuíno samba baiano numa linguagem direta e de alcance popular. Entre 48 e 59, ele compôs músicas como A morte do motorista na Praça da Sé, A Tartaruga, A Onça Peteleca, Chegou Pinguim, Visita da Rainha Elisabeth e Incêdio do Mercado Modelo. Um dos fatos mais inusitados aconteceu no início da década de 60 quando uma baleia morta chamada de "Moby Dick" veio ser exposta para visitação pública na Praça da Sé. Daí ele, em fez o samba Umbigada da Baleia.
Outra sacada do cronista urbano Riachão foi A Tartaruga que relata o caso chegada de uma enorme tartaruga que nadou da América do Norte e veio boiar nas águias das praias de Salvador. O senso quase jornalístico com tom poético bem humorado de Riachão, também, pode ser encontrado no samba A morte do alfaiate.
Década de 70 e os registros fonográficos
Apesar do reconhecimento da crítica e de artistas da MPB, Riachão não consegue se inserir nnuma sequência significativa de shows e de regsitros fonográficos (única exceção foi o compacto em 78 rpm de O Umbigão da Baleia gravado nos anos sessenta). Por iniciativa de Paulo Lima e da gravadora Philipis, através do selo Fontana Special, em 75, é gravado o álbum reunindo a nata do samba da Bahia. "O Samba da Bahia" traz Riachão, Batatinha e Panela em grandes momentos. Riachão participa nas faixas Vou chegando, Fufú, Terra Hospitaleira, PItada de Tabaco, Ousado é Mosquito e Até amanhã.
A força dada por Caetano e Gil
Depois da Tropicália que ao surgir no fianl dos anos 60 valorizou a música antiga brasileira, em especial a música nordestina de raiz como o samba baiano. Em 72, na volta do exílio em Londres, Caetano Veloso e Gilberto Gil vieram a Salvador para escolher música de compositores baianos para marcar sua volta ao mercado fonográfico nacional. A música escolhida foi "Cada macaco no seu galho" que foi sucesso em todo o país. Nos shows de divulgação do CD "Tropicália 2" de Caetano e Gil lançado em 93 estava lá o velho sucesso de autoria de Riachão.
Ainda nos anos 70, Riachão tem um samba proibido pela Censura. A música se chama Barriga Vazia cuja letra fala sobre a miséria: "Eu de fome vou morrer primeiro/ você, de barriga, também, vai morrer um dia". A notícia da censura corre a cidade e num show no ICBA, em 76, a platéia universitária exige que Riachão a cante. O público pede tanto que os músicos começam a executá-la e Riachão se vê obrigando a cair na verdadeira celebração que se formou. Foi uma das poucos "furos" à Censura realizado em shows nos anos 70 por um artista.
O segundo registro fonográfico e o hiato subseqüente
Em 73, grava o álbum "Sonho do Malandro" patrocinado pelo Desenbanco em comeoração aos 15 anos da empresa onde trabalhava desde 71. O álbum tem predominância de sambas com a malícia baiana temperado com metais, acordeon e vocais típicos dos sambas de fundo de quintal e até flautas e cavaquinho de regional de chorinho. Destaques para as faixas Quando o galo cantou. O samba chorado Eu também quero relata o aparecimento do tíquete-refeição: "Essa turma que trabalha muito cedo/ vem a fome que faz medo/ e faz a barriga roncar/ vai no caixa compra tique/ pega tíque/ leva o tíque/ dá o tíque/ para poder almoçar". O álbum trouxe composições mais recentes de Riachão. Outro destaque do álbum é o samba chorado Dia do Coroa. Ele regrava o samba rasgado de Baleia da Sé, demonstrando a atualidade da composição de Riachão. O disco fecha com o samba Que beleza.
Depois da fraca recepção do segundo LP - ao contrário do primeiro que chegou a ser saudado pela revista Veja como um dos 20 melhores lançamentos nacionais no seu ano de lançamento -, Riachão fica num relativo ostracismo artístico. Para divulgar o segundo LP, ele passou um tempo até no Rio de Janeiro para se apresentar nos programas de televisão. Continuou fazendo shows esporádicos no circuito universitário ou dito "cultural" à margem do esquemão da fatia de mercado da MPB.
Novo registro apenas no ano 2000
Depois de um hiato de quase 20 anos, Riachão vai gravar um novo trabalho a partir de janeiro do próximo ano (ano 2000). O produtor Paquito é o responsável pela recuperação da carreira artística de Riachão e promete a participação de Caetano Veloso e da sambista carioca Done Ivone Lara. Nenhuma gravadora ainda fechou contrato com o artista que promete trazer novas composições feitas de 81 para a atualidade. O samba baiano sobrevive na malemolência de Riachão. Viva a Bahia!
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